Passe um dia inteiro observando mulheres cuja proporção de magreza e
altura, viço da pele e brilho do cabelo faz com que pareçam de outra
espécie do gênero feminino – provavelmente não a sua -, e a sensação de
inadequação estética acaba por aparecer. E isso não acontece apenas numa
semana de moda; a vida de uma mulher é cercada por um padrão de beleza
que ela nunca alcançará, e que em intensidades diferentes a deixará mais
ou menos frustrada, dependendo de uma equação de momento de vida,
auto-estima, capacidade de reflexão, meio em que vive, etc. Pois ao
sentarem na sala de desfiles por volta das quatro e meia da tarde de uma
quarta-feira, as mulheres convidadas da apresentação de Ronaldo Fraga
olharam para frente e respiraram aliviadas: ali, o tipo de beleza delas
estava sendo celebrado.
Com o busto à mostra, 35 amigas ou amigas de amigos do estilista,
velhas e jovens, de diferentes profissões, encarnavam as sereias tema da
coleção e também nome – sugerido pelo próprio Ronaldo – do projeto com
artesãs da Paraíba que criam acessórios a partir de escamas de peixe,
capacitadas pelo estilistas para agregarem design ao expertise. As
Sereias da Penha assinam os lindos colares desfilados. “Têm efeito de
madrepérola”, conta o estilista, que as orientou a não tingir o
material, que também aparece bordado em vários dos looks.
Com caudas de tecido tom de pele, sentadas em pneus sobre um mar de
plástico bolha, espelho na mão voltado para a plateia, as sereias
democratizavam a beleza sem regras e chamavam a atenção para a poluição
ambiental. Dessa preocupação de Ronaldo nasceu um dos tecidos da
coleção, um fio biodegradável decomposto em poucos anos quando
descartado e desenvolvido pela Santaconstancia, com um aspecto que
lembra uma viscose, usado nos looks coloridos. O jacquard de esqueletos
de sereias, a estampa de oferendas feita por Leo Santana a partir de uma
foto tirada em Olinda, as estampas de peixes e corais, as sedas e os
tricôs compunham uma gama rica de tecidos. Além do discurso, Ronaldo
trouxe luxo à passarela.
O glamour da coleção aparece nas transparências dos vestidos nude
inteiros bordados de paetês de escamas e perolinhas, nas saias com
camadas de babados que remetiam às ondas do mar, nas assimetrias que
reinterpretavam a cauda da sereia. Um verão com sensualidade evidente
sem ser banal, com corpo delineado, cintura marcada, decotes profundos.
“É uma coleção de texturas, sobreposições e transparências”, resume.
Merece destaque o vestido caramelo longo com efeito sanfonado, feito a
partir da mistura de um fio de poliamida usado dentro da borracha de
pneus e que dá um volume ao mesmo tempo firme e maleável. “Essa série
simboliza o cabelo da sereia.” Ainda, os crochês metalizados e no azul
profundo, com aspecto rústico, feitos com linha de pesca e tiras do
tecido biodegradável, com um lindo resultado. (CAROLINA VASONE)
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